Se eu não fosse físico, provavelmente teria sido músico. Penso em música com frequência. Vivo absorto com a música. Vejo a minha vida em termos musicais… Não sei dizer se teria conseguido criar uma obra musical importante, mas sei que o meu violino me traz a maior das felicidades nesta vida.
Albert Einstein
A Música, as Artes e as Ciências estão inextricavelmente ligadas. Já os primeiros filósofos e astrónomos estavam fascinados com a ideia da “Música das Esferas”, no coração do nosso cosmos; e os compositores, ao longo das várias épocas, incorporaram os princípios matemáticos da proporção no seu trabalho. A Criação de Haydn foi inspirada pela Astronomia, enquanto que os Anéis do Sol de Terry Riley incluem gravações da NASA das aterragens lunares da Apollo. Sabemos hoje bem das relações entre emoção e razão, mais de um quarto de século volvido desde a publicação por António Damásio do seu livro O Erro de Descartes. A distinção entre Arte e Ciência é na verdade uma invenção moderna – em tempos antigos, pensadores de todas as culturas reconheciam, instintiva e intuitivamente, que estes grandes domínios não são hermeticamente selados, antes devem muito um ao outro. Agora, no Séc. XXI, as colaborações interdisciplinares entre as artes e as ciências estão a viver uma espécie de Renascimento, à medida que cada vez mais artistas e cientistas procuram, ativamente, novas formas de trabalhar em parceria. Os resultados podem ser dramáticos e inovadores. De facto, não há duas culturas: existe, apenas, uma Cultura e mais de cinquenta anos depois de Thomas Kuhn ter escrito a “Estrutura das revoluções científicas” ou de Charles P. Snow ter lançado a célebre polémica sobre o assunto, entre muitos outros exemplos que poderíamos citar aqui, disso não devia restar dúvidas, em ninguém. As abordagens conjuntas, por criadores com formações e sensibilidades diversas; cruzadas, recorrendo a metodologias de outras disciplinas; ou integradas, por intermédio de projectos e equipas multidisciplinares, vêm-se, aliás, revelando fontes de criatividade e, crescentemente, fecundas e imprescindíveis no avanço de soluções para os problemas maiores que a humanidade e o planeta enfrentam.
A Academia, consequentemente, visa proporcionar eventos culturais e outras intervenções de carácter artístico/científico que, a par da fruição da experiência em si mesma pelo público em geral, fomentem momentos de originalidade e criação, e levem a uma maior sensibilização de todos para essa necessidade de interdisciplinaridade. Assim, o foco será colocado em iniciativas, que se querem de qualidade mundial, onde a confluência de vários saberes se verifique. Isto sem prejuízo da realização de acções -em particular, na área da Música- de carácter predominantemente monodisciplinar, nas quais, todavia, pela partilha em simultâneo de um mesmo espaço, se procurará facultar a desejável interacção entre artistas e cientistas de Campos do conhecimento distintos.
Em apenas alguns anos, Marvão tornou-se num Centro Internacional para a Música através do FIMM-Festival Internacional de Música de Marvão que vai já na sua 7ª edição. Esta realidade, a vontade de manter uma actividade cultural ao longo de todo o ano e a ideia, acima formulada, de abranger num modo integrador um vasto espectro do conhecimento levaram a uma candidatura bem sucedida à edição de 2018 do OPP-Orçamento Participativo de Portugal. Por sua vez, este facto facilitou a assinatura de um protocolo entre a Academia e o ICNF-Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas para a utilização de um edifício nos Olhos d’Água que representa uma instalação e localização perfeitas para os fins propostos. Sem quaisquer remodelações significativas, o edifício e suas dependências estão ajustados às necessidades da Academia. Estes elementos -prestígio do FIMM, reconhecimento pelo OPP e edifício-sede num local emblemático- constituem três pontos fortes do projecto da Academia aos quais importa juntar outros que, a seguir se enumeram. A Comissão de Cogestão do Parque Natural da Serra de São Mamede, já em funcionamento, e a Associação dos (quatro) Municípios, em vias de constituição para justamente assistir nesse processo de co-gestão, assumir-se-ão cada vez mais como aliadas e interlocutoras privilegiadas na definição de estratégias conjuntas; e, trazendo consigo um aumento da escala regional, propiciarão dinâmicas mais ambiciosas, que por si só Marvão teria dificuldades em garantir. Nesse alargar de escala e de multiplicação da rede colaborativa não se deve esquecer a componente transfronteiriça através, desde logo, de Valência de Alcântara, parceira empenhada do FIMM e de outras acções culturais. O próprio conceito de co-gestão, para além de acarretar uma não despicienda maior proximidade na tomada de decisões relevantes, tem associada a centralidade da componente paisagística o que não é de somenos no contexto da vida da Academia. Na realidade, a capacidade de definição de estratégias conjuntas, integrando riquezas naturais, humanas, paisagísticas e culturais, que a Associação dos quatro municípios trará é da maior importância para aquilo que a Academia se propõe fazer.
O Campo Arqueológico Internacional da Ammaia, literalmente situado paredesmeias com os Olhos d’Água, assume-se como um elemento de transcendente significado a que é imperativo somar outras riquezas históricas e arqueológicas dos quatro municípios do Parque (a Lapa dos Gaivões e outras pinturas rupestres em Arronches; os múltiplos vestígios megalíticos existentes; os castelos e outros edificados, de onde se destacam a judiaria de Castelo de Vide e a sua igreja barroca de Santo Amaro, bem como a Sé e vários monumentos em Portalegre).
A Academia situa-se no coração de um Parque Natural onde a Geologia e a Biologia, em particular, se expressam com grande fulgor; mas onde existem magníficas condições para tirar partido de outras ciências como, por exemplo, a Astronomia. Aliás, a localização específica nos Olhos d’Água, um dos sítios mais emblemáticos do Parque, permite um convívio com a paisagem e a natureza único, que seduz todos os que visitam a Academia e origina circunstâncias muito propícias aos processos criativos.
O facto de três membros proeminentes do movimento presença -José Régio em Portalegre, Francisco Bugalho em Castelo de Vide e Branquinho da Fonseca em Marvão- terem relação directa com a região consubstancia mais um valor cultural significativo, incluindo o seu potencial para o turismo literário. O trabalho que vem sendo realizado com os organizadores dos ciclos anuais da presença para além de sublinhar esta realidade é, também, um elemento demonstrativo da visão integradora e do empenho no relacionamento com todos os actores da região que, desde o primeiro momento, tem movido os responsáveis pela Academia.
Um objectivo central, subjacente à criação da Academia, é, naturalmente, o de contribuir para o desenvolvimento da região -território de baixa densidade e de demografia muito desfavorável cujas debilidades são por demais conhecidas. É um objetivo importantíssimo e que esteve na génese da ideia de juntar ao FIMM algo cujo impacto fosse mais distribuído ao longo do ano. Porém, a visão com que trabalhamos é a de dotar o país com um projecto que, nesta amplitude, com a qualidade que se pretende e na região interior, Portugal não tem ainda; e que contribua, de um modo significativo, para a atratividade do País nas áreas da Cultura e da Educação. A ideia funda-se na magia do Festival de Música de Marvão e no sucesso que ele já atingiu; e conta, condição sine qua non, com o espírito do lugar que o torna tão singular, tão autêntico e tão irresistível.
Na área da Música, a Academia procurará cativar estudantes que, estando, todavia, a finalizar os seus estudos, já atingiram patamares elevados, reconhecidos nomeadamente através de prémios em concursos internacionais de música; e que, sendo jovens artistas já com alguma experiência performativa, estão ainda à procura de acompanhamento e aprofundamento ao nível internacional mais elevado possível. Assim, em termos de Música, a Academia deverá proporcionar, ao longo do ano, masterclasses a esses jovens músicos, portugueses e estrangeiros. Para o que convidará professores e músicos de grande distinção, de todo o mundo, para ensinar e tocar. Até agora, mau grado os constrangimentos presentes, já foi realizado um número substancial de masterclasses. No que diz respeito à população de Marvão, do Parque Natural da Serra de S. Mamede e do Alentejo circundante, a Academia seria atrativa, pois propiciaria concertos de altíssimo valor por músicos excecionais, durante a maior parte do ano. Ao mesmo tempo, esses concertos, tornando-se referência chamariam, sucessivamente, mais visitantes, nacionais e de fora de Portugal; e, projectando a região, acarretariam outros efeitos positivos ao nível social e económico.
Em termos das Ciências, actividades tais como trabalhos de campo, seminários e outras iniciativas letivas, para além de reuniões e residências científicas são modelos do que se quer levar a cabo, muito em particular nos domínios da Biologia e da Geologia. Uma residência de ilustração científica com actividades extensivas ao público escolar é uma mostra do que se pensa fazer a curto prazo. A reunião anual de cientistas do Instituto Max Planck de Munique, em conjunto com cientistas nacionais e de outras instituições de renome (ETH de Zurique), já concretizada, exemplifica outra tipologia de acção a concretizar. O mesmo tipo de actividades será proposto para as várias Ciências Exactas e Naturais, com particular destaque para a Astronomia pelas condições de céu de que se dispõe, estando a colaboração com o Centro de Ciência Viva de Constância já programada. No domínio da relação com a Natureza e da sensibilização para o Ambiente merece natural destaque a função de Centro Interpretativo do Parque de que, em virtude do protocolo assinado com o ICNF, a Academia se vem encarregando.
Um leque comparável de actividades será proposto também, com igual empenho, para outras disciplinas, incluindo as Humanidades. A Arqueologia, pela vizinhança com a Ammaia, não deixará de ocupar um lugar especial. Mas também estão no horizonte encontros de diversa índole nas áreas da Arquitectura, da Filosofia -discutir o futuro com vários pensadores, numa parceria com a Gulbenkian, por exemplo-, ou das Letras -os já referidos ciclos da presença, etc.
As Artes, para além de indutoras de emoções e matéria indispensável na educação estética, ajudam ao desenvolvimento da capacidade expressiva de cada um; e o seu papel na compreensão do comportamento humano vem sendo cada vez mais reconhecido. Assumem-se, por isso, como cruciais na nossa visão de Academia. Favorecer-se-ão eventos que promovam o diálogo entre Artistas e Cientistas ou de natureza entrecruzada, envolvendo abordagens pluridisciplinares. Neste campo, as residências artísticas e as exposições/instalações ocupam uma boa parte das iniciativas já concretizadas ou tidas em mente. A Academia conta, desde logo, com uma exposição permanente do escultor José Cutileiro sobre um tema regional apropriado – Pássaros vistos pelas costas- que constitui um elemento estético de grande valia. Em colaboração com o Centro de Ciência Viva de Aveiro-Fábrica tem sido possível disponibilizar ao público mostras que atravessam Arte e Ciência. A vinda de artistas (Fotografia, Pintura, Escultura) para residências ou workshops, em interacção directa com o público está já configurada para um futuro próximo. Por sua vez, a cooperação com a Companhia de Música Teatral, a par de outras diligências em desenvolvimento, permitiu oferecer o Pianoscópio como uma primeira iniciativa hands on, juntando Arte (Música) e Ciência (Física). O projecto “A Ciência e as Artes do Fogo -fontes de inovação no Parque Natural de S. Mamede” que se está a planear, em consórcio, é outro exemplo do que se pode e quer concretizar, implicando uma significativa abrangência temática. Merecem um saliência especial porque ilustram sobremaneira o que pretendemos fazer: a exposição experimental de Arte-Ciência [Be]coming (em exibição até Outubro passado), numa parceria com a Cultivamos Cultura que pressupõe a ponte entre a nossa região e o Sudoeste Alentejano; e os concertos Sound and Science que oferecem, cruzando-se reciprocamente, música e palestras por cientistas sobre temas relacionados. Trata-se aqui de uma co-realização internacional com uma entidade austríaca com o mesmo nome que já foi concretizada em Castelo de Vide e em Portalegre. Com tipologia comparável foram realizados dois outros eventos nos Olhos d’Água com disseminação por streaming.
A Educação Ambiental e a sustentabilidade física do próprio parque merecerão também uma atenção dedicada, com uma vertente própria sobre a ecologia do fogo e a prevenção dos fogos rurais, desejavelmente em articulação com o Plano Nacional de Acção para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais.
Com um espectro de possibilidades tão alargado importa, naturalmente, definir prioridades. Em consequência do consensualizado em Assembleia Geral, serão dois os campos a privilegiar e que devem constituir o foco essencial da atenção e do trabalho da Academia: a Arte-Ciência, como elemento de estímulo e de síntese do necessário diálogo entre artistas e cientistas de diferentes áreas; e a Música, enquanto matriz fundadora do projecto e, pela qualidade já comprovada, âncora indispensável ao seu sucesso, como se vem demonstrando pelas iniciativas já concretizadas.
No que se refere de modo específico à Arte-Ciência, há, a somar ao já aludido, outras acções em estudo: masterclasses, cada uma implicando o desenvolvimento de uma exposição, a qual, necessariamente, envolverá a colaboração entre gentes das Artes e das Ciências (os potenciais curadores serão todos de grande nomeada); um projecto, liderado por um artista já membro da Academia, visando estabelecer na Quinta dos Olhos d’Água um espaço de visitação, organizado em torno da flora e da fauna locais; e uma exposição e o desenvolvimento de uma instalação (demo), utilizável para deslocações a Escolas, resultantes da análise, por espectroscopia de imagem, de telas e/ou manuscritos. Viver, celebrar e investigar a biodiversidade do Parque Natural da Serra de S. Mamede, com músicos e outros artistas a trabalhar com matemáticos, geólogos, químicos, cientistas do ambiente, biólogos, gente das letras e das humanidades, das ciências sociais, do turismo, etc., num contexto aberto à comunidade, faz sentido, e exemplifica e configura a visão integrada do saber que vem sendo cada vez mais aceite e que está na razão de ser da Academia.
A chave para a sustentabilidade da Academia está em encontrar as colaborações certas. O ICNF é um parceiro nuclear, em particular através da Direcção Regional de Conservação da Natureza e das Florestas do Alentejo, de cuja Directora temos recebido constante apoio. Outros, com quem também estamos a trabalhar, foram já identificados acima. A cooperação com a Direcção Regional de Cultura do Alentejo tem sido inexcedível. Aliás, deve-se relevar o interesse que o Ministério da Cultura nos tem manifestado, tendo a Sra. Ministra, entretanto, visitado a Academia. Importa, igualmente, sublinhar o acolhimento que vimos recebendo do Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território. A Sra. Ministra da Coesão Territorial conhece as iniciativas em curso e o seu Ministério terá uma palavra importante a dizer no sucesso das mesmas, como aliás já corporizado pela Sra. Secretária de Estado da Valorização do Interior que veio conhecer de perto o projecto. O aprofundamento da ligação à Agência Nacional Ciência Viva, na esteira do que continua a acontecer com o Centro da Universidade de Aveiro, é uma prioridade. O Senhor Presidente da República tem sido um visitante assíduo do FIMM -três anos seguidos- e um seu empenhado apoiante, e não deixará de seguir também de modo interessado o desenvolvimento da Academia. Mas, acima de todos, é justíssimo destacar o o constante apoio manifestado pelo Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
A relação com cada um dos quatro municípios do Parque, começando por Marvão, e com a comarca estremenha de Valência de Alcântara, tem sido muito próxima e será, certamente, estreitada depois da formalização da Associação trans-concelhia cuja importância já foi enfatizada.
Estamos, neste momento, a consolidar um círculo de Instituições de Ensino Superior (Universidades e Institutos Politécnicos) e de Fundações – portuguesas e do exterior. A Universidade de Évora e os Institutos Politécnicos de Portalegre e de Castelo Branco, com quem foram estabelecidos protocolos, à cabeça. Mas também as Universidade de Aveiro, já referida, de Lisboa (Instituto Superior de Agronomia) e da Extremadura (Espanha); a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril; e as Fundações Anja Fichte Stiftung (Alemanha) -muito presente na componente musical-, Millennium BCP, que já nos vem apoiando, La Caixa, Ammaia, e Robinson (Portalegre): todas, naturalmente, porque identificáveis com especificidades do projeto.
Deve-se, ainda, fazer referência aos parceiros privados, de entre os quais a AGEAS merece destaque pelo interesse demonstrado desde a primeira hora. Foi, igualmente, estabelecido diálogo com a AGIF-Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais e com o Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Acredita-se que a Academia constituirá um parceiro atrativo para todas estas instituições e, sem dúvida, para outras com as quais viremos a definir entendimentos.
Claramente, um projeto tão ambicioso requer um investimento significativo de tempo e de recursos. O contributo financeiro resultante de projectos candidatados -de que o Orçamento Participativo de Portugal constitui o exemplo fundador- ou a candidatar é essencial. A candidatura a programas de financiamento, em consórcios de várias tipologias e com alcance diverso, é um instrumento a que se continuará a recorrer intensamente. As propinas dos estudantes das masterclasses – ou bolsas que as suportem –, a par de contrapartidas similares por quem usufruir de outras acções de formação, serão importantes na sustentabilidade económica do projeto. Certamente, fundos específicos de apoio à Cultura, à compreensão pública da Ciência e à educação para o Ambiente, lato sensu, constituirão também fontes de financiamento fundamentais. Estaremos atentos a outros programas que, presumivelmente, vão surgir em consequência da conjuntura em que vivemos. Contudo, o apoio ou o mecenato por parte de quem, esperamos, venha a compreender o virtuosismo e a singularidade do projecto -como aliás já vêm acontecendo embora numa escala diminuta- representará sempre uma fatia decisiva para atingir os patamares de excelência e inovação pretendidos.